The Need of Always having a War *

  1. A Necessidade de Sempre Haver uma Guerra

A palavra soldado etimologicamente significa aquele que luta por soldo. Na Revolução Francesa o Estado basicamente deu um fim à era de mercenários[1], com um exército formado por franceses, movidos pela vontade francesa, e este coup de grace no sistema mercenário levou novamente as nações europeias a perceber a importância do exército nacional. Já que o sistema mercenário é falho, quando o pagamento atrasava ou não vinha, os soldados contratados abandonavam seus campos de combate, buscando novos contratantes para trabalhar, em busca do pagamento. A origem da palavra ‘mercenário’ vem do latim e seu sufixo tem a origem na palavra mercado. Significa aquele que trabalha por pagamento ou por aluguel. Nas guerras dos séculos XVI e XVII além do pagamento, os mercenários ainda se beneficiavam com o saque dos bens materiais dos lugares conquistados, mas não era o bastante para se manterem, havia empresários ainda que os ajudavam com seus uniformes, transporte, alimentação e dar moradia a estes soldados.[2]
Clausewitz (1780 – 1831) expõe a guerra como a continuação da política por outros meios, conceito este utilizado para justificar interesses dos estados. Porém analisando a política contemporânea, não só o estado-nação utiliza este conceito para fazer sua política prevalecer sobre as demais. Como a indústria de armas é a que mais gera lucros no mundo capitalista, o setor privado também busca no conceito de gozar de seus interesses pela guerra.
Os Estados Unidos entrou em praticamente todas as guerras de seu interesse, fazendo da frase de Clausewitz sua política para a guerra. Desde o final da Guerra Fria, foram muitos conflitos diretos que os Estados Unidos participaram.
Desde 1949 com a convenção de Genebra que proibiu o uso de forças mercenárias visando cumprimento de uma ordem internacional, em 1989 através da International Convention against the Recruitment, Use, Financing and Training of Mercenaries criou-se normas para o uso destas forças privadas, inclusive o controle do Estado, porém o recrutamento vem se dando sob pretextos de cumprimento da norma em que os soldados contratados são utilizados apenas em conflitos legítimos e legais. Porém este cumprimento de norma é questionável quando o número de soldados contratados chega a ser de um mercenário para cara dez soldados na Guerra contra o Iraque.
O número de empresas prestadoras de serviço no Iraque não é certo. Cada livro dá um número elevado, comprovando a veracidade da informação. Além disso, o número de contratados também varia. No livro Guerra como Prestação de Serviços, Rolf Uesseler aponta que cerca de 90 companhias privadas de contratos nos Estados Unidos, Inglaterra e África do Sul. Steve Fainaru, ex-mercenário e autor do livro Big Boy Rules, diz que ninguém sabia quantos havia, nem mesmo após formarem uniões e associações de comércio como a Associação internacional de operações para paz e a Associação de companhia de seguro privado do Iraque, com oficiais e lobistas que sumiam de qualquer lugar que alguém sugerisse que eles estavam, na verdade, mercenários lutando na guerra por dinheiro. As expectativas variavam de 25.000 á 75.000 ou até mais. A estimativa do Pentágono era de 25.000 – uma divisão inteira de armas contratadas espalhadas pelo campo de batalha. A estimativa do GAO (Governamment Accountability Office) foi duas vezes maior que essa: 48.000”.[3] Para Carafano, em 2007 havia mais de 100.000 contratados no Iraque e Afeganistão, e aproximadamente 160.000 militares.
Os números não são corretos em todas as fontes, Carafano diz que:
Em outubro, seis meses após o fim da Guerra, o Centro de Integridade Pública publicou uma lista de companhias fazendo negócios no Iraque e no Afeganistão com recorde de doações políticas. Eles reportaram, “tempestades de guerra” corresponderam a US$ 49 milhões de 70 companhias fazendo cerca de US$ 8 bilhões em negócios do governo para contribuições políticas que foram quase duas para uma dos republicanos sobre os democratas. O presidente George W. Bush ganhou a maioria delas. Os 14 maiores contratantes trabalhando no Iraque e no Afeganistão, sozinhos contribuíram com US$ 23 milhões – quase metade do total. O maior contribuinte daquele grupo de elite era a Kellog, Brown & Root, subsidiária da matriz Halliburton do vice-presidente Dick Cheney.[4]
De qualquer forma, todos os autores indicam altos números de contratos e cifras que a guerra contra o Afeganistão e Iraque envolveu.
Na África muitos soldados privados[5] foram contratados em vista dos conflitos internos de insurreições, o batismo de fogo destes soldados já vem consigo, além disso, as companhias que se instalam na África precisam de um exército contra as forças de guerrilha para tomar conta de suas instalações, contratando ex-guerrilheiros ou estrangeiros como paramilitares. Na América do Sul os contratados também são em maioria ex-militares, mas também contam com ex-guerrilheiros já com experiência em combate interno, estes são recrutados principalmente por empresas norte-americanas e enviados para diferentes regiões do globo. Para seus contratos algumas das empresas tem sede offshore, em países pequenos que geram lucros para eles sem passar pelo território americano, e também pedem que o candidato tenha disponibilidade de se mudar de nome e ir para qualquer parte do globo. Tanto nos casos norte-americanos como nos casos africanos, as empresas ganham com a existência de conflitos, o mercenário recebe o lucro e a empresa contratada também. Rolf Uesseler destaca em seu livro, Guerra Como Prestação de Serviços: A Destruição da Democracia pelas Empresas Militares Privadas:
Tais empresas não empregam apenas pessoas que entendem do ofício militar. Managers perspicazes são tão procurados quanto traficantes de armas argutos, engenheiros especializados em armamento, especialistas em computação, tradutores, pilotos experientes e pessoas que conhecem profundamente logística ou transmissão via satélite. A imagem cinematográfica de Rambo só continua dominando a cena de maneira bem parcial. Hoje reina a mentalidade de trabalho. O ofício da guerra e todas as atividades que estão em conexão com conflitos armados transformaram-se em prestações de serviço normais. O que conta para quem encomenda a missão é a execução profissional e o sucesso; o que interessa aos executores é o pagamento.[6]
Os Estados Unidos sempre se capacitaram militarmente para estar pronto para qualquer conflito e interferir caso fosse necessário, no final do século XX na Guerra do Kosovo, os Estados Unidos não obedeceram a decisão do conselho de segurança e interferiram a guerra. As forças armadas norte americanas no Kosovo não tinham condições de se manter por causa da dificuldade geográfica encontrada. Sem alimentação, transportes, sistemas de emergência, transportes. A necessidade de uma logística especializada foi aferida a empresa Kellog, Brown & Root foi responsável não só pelo contrato de soldados privados mas também pela logística da guerra, em suprir os exércitos com alimentação, veículos, gasolina e armamentos, além do Camp Bondsteel, uma pequena cidade construída pela KBR para os soldados americanos na guerra. Após o sucesso do contrato ficou evidente ao governo americano a importância do contrato privado.[7]
Como se vê, não só o Estado lucra com a guerra, as empresas também recebem lucros bilionários em licitações e contratos com governos. Estas empresas tiveram grande importância como atores nos primeiros conflitos do século XXI, na Guerra do Afeganistão e na Guerra do Iraque, os Estados Unidos fecharam contratos milionários com empresas privadas, como a DynCorp International, a Halliburton que é uma grande empresa no ramo de petróleo, e a Blackwater Worldwide, que foi responsável pelo treinamento de tropas e posteriormente um contrato bilionário com o governo americano, dentre inúmeras outras empresas.
Segundo Steve Fainaru (2008), um governo lança uma guerra preventiva baseada num mito, e assim, rebeldes começam a confrontar os ocupantes. Como não há uma força de luta suficiente, sem mencionar o poder político, surgem centenas de companhias que contratam de um vasto grupo de veteranos e ex-policiais, drogados, fugitivos da corrida dos ratos, os patriotas, falidos, os gananciosos, e condenados à prisão perpétua e pena de morte. São contratados também Americanos, Britânicos, Sul-africanos e Australianos, Fijis e Gurkhas (Nepaleses que servem à Inglaterra no Nepal). Peruanos que lutaram no Sendero Luminoso, Colombianos que serviram ao narcotráfico. Essas companhias deram armas a eles (embora muitos tenham levado suas próprias) e os deixaram soltos num campo de batalha árido do tamanho da Califórnia, sem regras, sem leis, com pouco para guiá-los exceto suas consciências. Logo, é formada uma indústria de 100 bilhões de dólares, uma indústria de armas, com uniões e lobistas e suas próprias nomenclaturas de tortura: nos jornais e em conversas educadas, todos são “seguranças privados contratados”.
A busca por este setor foi tão grande que diante da importância da rede mundial de computadores, os contratos de soldados privados hoje em dia são feitos como qualquer busca por emprego. Com análise de currículos enviados pela internet e por busca em sites de empregos e anúncios de classificados:
Nunca houve antes uma era na qual a maioria dos contratados encontraram emprego por resposta a caixas postais numéricas de anúncios na revista Soldado da Fortuna. Empregados contratados arrumam empregos muitas vezes como qualquer um. (...) Muitos subcontratados (incluindo a maioria dos contratos no Iraque e Afeganistão) fazem seu próprio recrutamento, desenho do cidadão de seu próprio país, o país hóspede, e acima de trinta outras nações.[8]
Pela rede mundial de computadores os interessados podem ir a portais de informação ou entrando em contatos com as próprias empresas que prestam serviços. Geralmente anunciando os cargos em suas páginas na internet: “Nos Estados Unidos, a maioria dos contratados encontram seus empregos como a maioria dos americanos – na internet. Em qualquer dia, indo ao Monster.com, o maior sítio de ferramenta de buscas por emprego do mundo, e digitando a palavra “Iraque” gera centenas de ofertas de trabalho. (...) O sítio KBR (Kellog, Brown & Root) lista trabalhos disponíveis em dúzias de países em quase 100 categorias: todas com contabilidade para soldagem. Algumas companhias ainda exercem seus próprios métodos de contratação, usualmente em bem divulgadas feiras de empregos em hotéis nos centros das cidades, centros comerciais, durante dia da profissão em colégios e universidades”.[9]
Carafano ainda expõe que a indústria bélica funciona como uma busca normal por emprego, como se atuar na guerra atualmente fosse uma oferta de trabalho: “A rede de relacionamentos (tendo alguém para passar adiante um currículo ou recomendar um conhecido, amigo, colega ou parente para um emprego) é algo (como em muitos negócios) que acontece tanto como na indústria do combate como em qualquer outra. “O melhor caminho para conseguir um contrato para a zona de guerra é buscando na rede,” um estudo concluiu, “conhecer um cara que conhece um cara.” A maioria das redes é bem inócua”.[10]
Ainda falando sobre contratos, Carafano mostra como o processo seletivo é feito, dado o interesse por ex-militares, o que poupa grande parte do treinamento dado pela empresa para determinados serviços.[11]
Singer expõe motivos para a procura destes serviços pelos civis e os motivos pelos quais particulares aderem ao conflito. Ele diz que existem apenas três causas de condução desta indústria. A primeira é a dinâmica da oferta e da procura, pois desde o fim da Guerra Fria, há um número menor de militares americanos (cerca de 35 por cento menor que durante a guerra), porque seis milhões de soldados foram exonerados no fim da batalha, o que afetou o mercado de trabalho. Isso significa que o trabalho está mais disponível, e é também mais barato. Outro aspecto do lado da procura é o surgimento de mais guerras. Elas costumam ocorrer em áreas que não interessam as grandes potências e onde as superpotências não irão intervir como aconteceu no passado. Há também mudanças na tecnologia. [12]
               As armas automáticas e de pequeno calibre, como fuzis AK-47, espalharam-se e proliferaram. Existe mais de 550 milhões de armas leves no mercado global, uma para cada doze seres humanos. Um fuzil AK-47 pode ser comprado no Quênia pelo preço equivalente ao de uma cabra. Já em Uganda, é possível comprar um mesmo modelo com custo igual  ao de um galo. O uso dessas armas é surpreendentemente fácil, além de serem mais leves e mais baratas. Uma criança de dez anos de idade pode aprender a usar um desses em menos de 30 minutos, o que significa uma outra adição ao lado da procura em termos de ameaças produzidas.[13]
Singer esclarece que por outro lado, houve também mudanças na condução da guerra em si. Costumava haver distinções na guerra entre soldados e civis. Essas distinções estão se quebrando no lado de baixa intensidade das guerras – as guerras confusas, os conflitos que caracterizam os cartéis da droga, fedayeen (homens suicidas), terroristas, guerreiros e crianças soldados. As distinções são também quebradas no lado de alta intensidade da guerra – do tipo de guerras que os militares dos EUA lutam. Um marinheiro dos EUA servindo a bordo de um destroyer de mísseis guiados durante a guerra do Iraque teria assinado vinte contratados a partir de seis empresas diferentes. Eles eram escolhidos para operar o sistema de defesa aérea, uma vez que esse ficou tão sofisticado que não se poderiam manter as pessoas no serviço militar para operá-lo. Então, houve a necessidade de procura de profissionais no mercado privado.[14]
               Também há uma mudança na relação entre os militares e tecnologia. Os militares não estão mais desenvolvendo tecnologia da mesma maneira que desenvolveram na Segunda Guerra Mundial – fazendo radares, bombas atômicas, e assim por diante. Essa tecnologia está sendo tirada da prateleira. Por exemplo, a razão pela qual os militares dos EUA são muito mais letais nesta guerra em comparação com a última guerra – a razão por que foram capazes de derrubar o governo de Saddam com apenas um quarto das tropas que foram implantados em 1991 na Guerra do Golfo, foi o fato da tecnologia da informação. A Internet ligou os sistemas de armas em um conjunto muito mais letal.[15]
               A causa final que envolve estes juntos é o que é chamado de "revolução da privatização”, a qual Singer descreve como uma mudança de mentalidade, uma mudança no pensamento político, é a nova ideologia de que "se existe uma função que o mercado pode fazer, então você deve entregá-lo ao mercado." Essas transformações podem ser vistas, desde a coleta de lixo, aos serviços postais, escolas, prisões e da polícia. Nos Estados Unidos é gasto mais em polícias privadas que a polícia real.[16]
               O autor continua dizendo que esse fenômeno não se limita aos Estados Unidos. É algo que é muito global. Uma das indústrias que mais crescem na China comunista agora é a indústria da segurança privada.[17]
A última fronteira da privatização, o último monopólio, o que ninguém pensou que jamais poderia ser quebrado, foi o militar. No entanto, o conflito ocorrido no Iraque mostra como esse monopólio foi quebrado.[18]




[1] Os Chamados “soldados da fortuna” ou “Cães de Guerra”, mais conhecidos como mercenários, são soldados de aluguel, que ao invés de lutarem por seus países, oferecem seus serviços a grupos ou governos por recompensas monetárias substanciais. (FREITAS, A utilização de soldados mujahidins e mercenários nos conflitos africanos e nos Balcãs: O caso da Somália e da Bósnia-Herzegovina.)
[2] TILLY, Coerção Capital e Estados Europeus, p. 141 et seq.
[3] FAINARU, Big Boy Rules, p. 22.
[4] CARAFANO, Private Sector, Public Wars, p. 2.
[5] Recorrer a “soldados privados” – termo que frequentemente substitui o de mercenário, considerado pejorativo – apresenta para o Estado duas vantagens importantes. Ele se exime, desse modo, de qualquer controle democrático, sem risco de chocar a opinião popular. (FREITAS, A utilização de soldados mujahidins e mercenários nos conflitos africanos e nos Bálcãs: O caso da Somália e da Bósnia-Herzegovina.)
[6] UESSELER, Guerra Como Prestação de Serviços, p. 18.
[7] UESSELER, Guerra Como Prestação de Serviços, p. 107.
[8] CARAFANO, Private Sector, Public Wars; p. 92.
[9] CARAFANO, Private Sector, Public Wars, p. 92 et seq.
[10] Ibidem, p. 93.
[11] Ibidem, p. 94.
[12] SINGER, Corporate Warriors: The Privatized Military and Iraq; 2005; Disponível em: http://www.carnegiecouncil.org/resources/transcripts/5287.html
[13] Ibidem.
[14] Ibidem.
[15] SINGER, Corporate Warriors: The Privatized Military and Iraq; 2005; Disponível em: http://www.carnegiecouncil.org/resources/transcripts/5287.html
[16] Ibidem.
[17] Ibidem.
[18] Ibidem.

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